Sobre o blog

Vida de ponto-e-vírgula: o modo de vida assim nomeado define-se negativamente: não é ponto, mas também não é vírgula. A vírgula alterna as coisas com muita rapidez. O ponto final é sisudo, sempre encerra períodos! Bem melhor ser ponto-e-vírgula: uma pausa que não é definitiva, e uma retomada que sempre pode ser outra coisa...



quarta-feira, 20 de maio de 2009

O choro de Maísa

Indignação. Esta é a palavra. Podem-se somar a ela algumas outras: perplexidade, abuso, violação, desrespeito... Tudo isso está em jogo na polêmica envolvendo a menina Maísa e o apresentador Silvio Santos. Já é notícia em vários jornais, o vídeo está na internet para quem quiser ver com seus próprios olhos.

No auditório, pessoas riem, incitadas por Silvio Santos, enquanto a menina-revelação Maísa, de apenas 6 anos, chora copiosamente pelas humilhações a que seu chefe a submete. E não é a primeira vez.

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Ontem mesmo, enquanto voltava do curso de Psicologia Jurídica, conversava com duas colegas a respeito do absurdo desta situação.Os argumentos que apresentei então são os mesmos que sustento aqui:

1. trata-se de uma criança de 6 anos trabalhando (por ora, não importa se é na TV ou no sinal da esquina, vendendo bala);

2. a Constituição de 88 e o Estatuto da Criança e do Adolescente são claros: trabalho infantil é proibido.

3. o ECA ainda dispõe sobre o direito ao respeito, que é descrito no art.17 da seguinte forma:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
E, a seguir,
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

4. é no mínimo curioso notarmos que, quando se trata de uma criança pobre vendendo bala no sinal de trânsito, os Conselhos Tutelares caem em cima, responsabilizando os pais, acionando a Justiça para que retire o "menor" da rua e lhe dê o tratamento adequado (e aí podemos questionar, dependendo do rumo que a coisa toma, se é adequado mesmo e para quem?); mas, por outro lado, quando o assunto são crianças de classe média, trabalhando em novelas ou em programas como o de Silvio, por que achamos natural e não falamos nada?

Podem dizer que estou sendo simplista, e argumentar que a criança pobre é explorada pelos pais, na maioria das vezes está fora da escola e, portanto, vários de seus direitos já foram violados. Sim, isso pode ser verdade em muitos casos, não estou negando isso. Mas por que é necessariamente falso afirmar isso com respeito às crianças da TV? Um caso como o de Maísa deixa claro que também estamos diante de não apenas uma, mas muitas violações ao princípio da Proteção Integral, preconizado tanto pela Constituição como pelo ECA.

Felizmente, parece que o Ministério Público de São Paulo vai acionar na Justiça o apresentador Silvio Santos e talvez o programa seja retirado do ar. Isso pode ensinar ao Silvio que, se a emissora é dele, não é por isso que ele pode fazer o que quer em nome da audiência.

Mas espero, principalmente, que este episódio lamentável ensine à sociedade brasileira a cuidar melhor de suas crianças. E que não fiquemos como espectadores embasbacados, assistindo ao espetáculo patético do desmantelamento de nossos valores éticos e morais.

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