Sobre o blog

Vida de ponto-e-vírgula: o modo de vida assim nomeado define-se negativamente: não é ponto, mas também não é vírgula. A vírgula alterna as coisas com muita rapidez. O ponto final é sisudo, sempre encerra períodos! Bem melhor ser ponto-e-vírgula: uma pausa que não é definitiva, e uma retomada que sempre pode ser outra coisa...



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sobre a polêmica Resolução 009/2010 - CFP

Em junho, o Conselho Federal de Psicologia aprovou a resolução 009/2010, que regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional.
O texto da Resolução diz, entre outras coisas, que: 
a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado.
22_CHC_sp_superlota[1] O documento gerou polêmica nos meios jurídico, prisional e até mesmo dentro da própria categoria. Muitos psicólogos discordam da proibição e entendem que a Resolução tolhe o exercício profissional de quem trabalha no sistema.

Ontem, dia 03 de agosto de 2010, no Jornal Nacional, a  presidente do CFP explicou a decisão, argumentando que o trabalho do psicólogo deve e pode se dar junto às CTC – Comissões Técnicas de Classificação; de caráter multidisciplinar, as CTC visam à individiualização do tratamento penal quando o condenado chega ao sistema.


Já o laudo de exame criminológico é pedido pelo Juiz da Execução Penal no momento em que o preso, por lei (Lei de Execução Penal) teria direito à progressão de regime – do fechado para o semi-aberto. O Juiz pede ao psicólogo que, com base em entrevistas com o preso e mediante aplicação de instrumental técnico,  forneça um laudo capaz de presumir futuros comportamentos delitivos.


“O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes.” – Fonte: STJ


A LEP prevê que a progressão de regime se dará quando o preso tiver cumprido uma parte da pena e se apresentar bom comportamento. Ponto. A lei não diz que a decisão do Juiz deverá se respaldar em exames psicológicos que supostamente teriam  a capacidade de prever comportamentos futuros. Além disso, o exame criminológico deixou de ser obrigatório desde 2003, com a entrada em vigor da Lei n. 10.792, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84).


O que diz a lei 10.792/2003?


Art. 1º A Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.
§ 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes." (NR)


Vemos que a legislação não se refere à necessidade do laudo psicológico para fundamentar as decisões dos juízes no que tange à progressão de pena, o que nos autoriza a pensar que todo o estardalhaço em torno da Resolução 009 trata-se, antes, de estratégias ou manobras para dificultar e impedir o cumprimento da lei, quando  o que está em jogo é a possibilidade de abrandar a pena de presos que têm esse direito.


Durante anos os psicólogos atuaram – a ainda atuam – como juízes ‘menores’, assumindo uma responsabilidade que não cabe a eles. Soltar um preso, conceder progressão de regime, livramento condicional, etc, são atribuições dos magistrados, não dos psicólogos. Sabemos que muitas vezes o uso do instrumental teórico e técnico da Psicologia tem servido para respaldar preconceitos sociais e legimitar decisões que contrariam a própria lei – o que é, no mínimo, vexatório para a profissão. Neste contexto, o laudo crimininológico cumpre o papel de algema, prendendo de uma só vez os psicólogos e os sujeitos alvos de seu saber, condenando a ambos a uma mesma cadeia de dominação.
algemas2

O psicólogo não é capaz de prever comportamentos nem indicar tendências futuras. Nenhum instrumento técnico tem essa propriedade (embora muitos afirmem o contrário e acreditem firmemente que sim). Ao assinar um documento que informe algo do tipo, sobre qualquer pessoa, o psicólogo responsabiliza-se pelo comportamento e pelos atos dos outros – como se vê, algo que não tem a menor plausibilidade. Tal documento não deveria gozar de tamanha credibilidade. Mas não faltam colegas de profissão para discordarem de mim.


O Ministério Público Federal vai apurar se o Conselho Federal de Psicologia tem autonomia para tomar uma decisão como essa. De minha parte, torço para que o Conselho não volte atrás ou não seja forçado a isso, para que os psicólogos que não concordam com esse tipo de prática  possam agora sustentar sua recusa, respaldados pelo órgão máximo da profissão.

Assistam à reportagem nesse link
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/08/psicologos-sao-proibidos-de-avaliar-presos-para-progressao-de-pena.html