Sobre o blog

Vida de ponto-e-vírgula: o modo de vida assim nomeado define-se negativamente: não é ponto, mas também não é vírgula. A vírgula alterna as coisas com muita rapidez. O ponto final é sisudo, sempre encerra períodos! Bem melhor ser ponto-e-vírgula: uma pausa que não é definitiva, e uma retomada que sempre pode ser outra coisa...



domingo, 10 de abril de 2011

De humanos e monstros

"Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho."

Terêncio - dramaturgo e poeta romano.

Enquanto procurarmos entender o que aconteceu no colégio em Realengo como obra de um monstro nada poderemos fazer para ajudar as pessoas diretamente envolvidas, tampouco para contribuir com a busca das respostas que tanto procuramos. O monstro revolta, enoja e nos faz acreditar que somos diferentes e, portanto, não implicados no processo de subjetivação. O monstro nos dá uma pseudo-explicação, que não resolve e paralisa, porque contra monstros o que poderíamos fazer? Quando não conseguimos enxergar as diferenças, o monstro é o outro e temos medo do outro. A alteridade aparece como ameaça constante de perdermos nossa própria humanidade.

Proliferam na mídia os discursos do medo; especialistas são convocados a dar sua opinião técnica, repetindo jargões e insuflando preconceitos. Na redação de uma conhecida revista, uma das principais formadoras de opinião da classe média brasileira,  o rapaz de vinte e poucos anos que abriu fogo em uma escola na zona oeste do Rio de Janeiro, matando 12 crianças e ferindo outras tantas, passou de humano a monstro em questão de horas. É importante dizer isso: por mais abominável que seja a sua conduta – e não se trata de negar, em momento algum, o horror que essa tragédia representa para todos nós – NÃO FORAM SEUS ATOS QUE O TRANSFORMARAM EM MONSTRO, MAS O DISCURSO HEGEMÔNICO DA GRANDE IMPRENSA.

A mesma revista tenta nos convencer de que o “inimigo mora ao lado” e pergunta “como saber quando a loucura assassina emergirá das camadas profundas de anos de humilhação, solidão e frustração?'”, levando o leitor a crer que é possível realmente prever comportamentos! Mais uma vez: discursos do medo que nos dizem: cuidado com seu vizinho, cuidado com o outro.

Matar crianças com tiros certeiros na cabeça, sem qualquer motivação aparente, faz de Welington um assassino, um homem em surto. Um psicótico. Mas até isso pode ser leviano de nossa parte afirmar, já que ele não foi visto nem atendido por nenhum profissional de saúde mental, até onde se sabe.

Por outro lado, se compreendemos os atos mais bárbaros (como o nazismo, por exemplo) como atos humanos, temos maiores chances de nos implicarmos pois, ao responsabilizarmos o outro, estamos nos responsabilizando enquanto iguais, tão humanos quanto ele. Encarar a dimensão trágica do ser humano e entender que ele pode cometer barbaridades 'desumanas' não desresponsabiliza o sujeito e ainda nos dá a chance de fazer um debate mais produtivo sobre crimimologia na atualidade, sem cairmos numa visão positivista que reduz toda a complexidade dos processos de subjetivação a teorizações deterministas.

"Vocês não ficariam mais felizes se eu pudesse mostrar que todos os que perpetraram [o crime] eram loucos?" — pergunta o grande historiador do Holocausto, Raul Hilberg. Mas é exatamente isso que ele não pode mostrar. A verdade que ele de fato mostra não traz nenhum alívio, é improvável que deixe alguém feliz. Os criminosos foram pessoas educadas de sua época.” –Zygmunt Bauman. Modernidade e Holocausto.

Não é procurando a loucura de Welington ou acreditando na previsibilidade de comportamentos insanos que vamos achar as respostas para o problema da violência. Talvez esteja mais do que na hora de voltarmos a falar em desarmamento, em vez de ficarmos rodando feito tontos, atrás de respostas que individualizam a culpa. O problema é de todos nós.