Sobre o blog

Vida de ponto-e-vírgula: o modo de vida assim nomeado define-se negativamente: não é ponto, mas também não é vírgula. A vírgula alterna as coisas com muita rapidez. O ponto final é sisudo, sempre encerra períodos! Bem melhor ser ponto-e-vírgula: uma pausa que não é definitiva, e uma retomada que sempre pode ser outra coisa...



sexta-feira, 22 de maio de 2009

Devires

A razão por que escrevo não é uma só. É plural. São razões. Muitas e várias. E também se poderia dizer que há nisso um tanto de desrazão: o porquê da minha escrita tem algumas razões que provavelmente desconheço.

Os psicanalistas ensinam que somos guiados por determinações inconscientes. Por mais que isso nos desestabilize, por nos tirar do comando, não deixa de fazer sentido (pra mim faz). Quem nunca precisou dizer: “eu não sei fazer música, mas eu faço, eu não sei cantar as músicas que faço, mas eu canto”?

Esta música dos titãs ilustra bem o que quero dizer. Eu não sei escrever, eu não sei exatamente por que escrevo, eu só sei que escrevo. E não o faço só para mim, mas para o outro. Não quero falar sozinha (ainda não cheguei a tanto, rs). Quero que falem comigo, quero respostas, feedbacks (pra usar um termo das ciências cognitivas). Nossa, hoje eu estou acadêmica demais. Será?

Voltando. A própria escritura deste texto só se justifica porque suponho que ele será lido por alguém. E mais do que uma suposição, há aí um desejo. Desejo meu de que outros desejem minha escrita.

O que é o desejo? Bem, eu poderia falar de um desejo fundamental, o desejo do neurótico, o desejo fundado por uma falta primordial. Eu poderia psicanalisar meu desejo.

Mas não. Eu quero falar de um desejo imanente, de um desejo fundado no campo da experiência cotidiana. Um desejo que hoje é desejo de leitura e de escrita, mas que pode vir a ser desejo de outra coisa amanhã. Um desejo-devir.

Gosto de Deleuze. As idéias que exprimi no parágrafo anterior são inspiradas nele. Não sabia que Deleuze tinha escrito sobre o ato de escrever, mas acabo de descobrir (e não nego que fiquei absolutamente surpresa pelo que encontrei ser exatamente o que estou tentando dizer aqui desde o início). Vejam:

“Acho que escrever é um devir alguma coisa. Mas também não se escreve pelo simples ato de escrever. Acho que se escreve porque algo da vida passa em nós. Qualquer coisa. Escreve-se para a vida. É isso. Nós nos tornamos alguma coisa. Escrever é devir. É devir o que bem entender, menos escritor. É fazer tudo o que quiser, menos arquivo. Respeito o arquivo em si. Neste caso, sim, quando é arquivo. Mas ele tem interesse em relação a outra coisa. Se o arquivo existe é justamente porque há uma outra coisa. E, através do arquivo, pode se entender alguma coisinha desta outra coisa.” (Giiles Deleuze).

É isto o que queria dizer hoje.

Um comentário:

Tikão disse...

Uma vez em uma aula na faculdade um professor definiu a vida como sinônimo de comunicação.
Acho que ele concorda com você e o Deleuze, não é?