Sobre o blog

Vida de ponto-e-vírgula: o modo de vida assim nomeado define-se negativamente: não é ponto, mas também não é vírgula. A vírgula alterna as coisas com muita rapidez. O ponto final é sisudo, sempre encerra períodos! Bem melhor ser ponto-e-vírgula: uma pausa que não é definitiva, e uma retomada que sempre pode ser outra coisa...



terça-feira, 28 de abril de 2009

Das razões de admirar José Saramago




Adoro José Saramago. Os motivos são muitos: sua lucidez; suas críticas sempre muito inteligentes e ácidas dirigidas ao capitalismo e ao consumismo desenfreado; sua escrita, sempre tão prazerosa, embora nem sempre muito fácil; seu amor (diria até mesmo devoção, correndo o risco de ser ridícula, já que Saramago é ateu e devoção é geralmente para santos, mas me atrevo e mantenho), sua devoção à esposa Pilar; seu repúdio aos maus-tratos para com os animais, entre muitos outros.


São muitos os motivos para admirar este escritor português, comunista, prêmio nobel e escritor de blog. Sim, Saramago escreve quase diariamente no seu blog, O caderno de Saramago, que eu, obviamente, acompanho. O link está ali do lado direito da página e também ao final deste texto, para quem quiser conferir.

Pois bem. Hoje, enquanto eu escrevia aqui no Ponto-e-vírgula, reparei que tinha post novo em O caderno, e corri lá, animada pelo título Recordações. Deparo, então, com um texto lúcido, verdadeiro e forte. Eu, que há tempos venho mesmo planejando escrever algo sobre memórias, instigada por uma notícia que vi no fantástico programa global, imaginei que o texto de Saramago pudesse estar também relacionado com a tal notícia. Não me enganei. Ao anúncio de uma técnica científica que pode apagar todas as memórias de uma pessoa, com o uso de uma molécula, Saramago respondeu com um sonoro NÃO! E faço coro com ele. Eu não quero ter as minhas recordações apagadas, deletadas como arquivos em um computador, de que não se precisa mais.

O texto, como sempre, correu gostoso, com sensibilidade saltando a cada linha. E faço minhas as palavras de Saramago: "Somos a memória que temos, sem memória não saberíamos quem somos."


O filme Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças já havia abordado esta questão, contando a história de um homem que, após sua ex-namorada submeter-se a tratamento para esquecê-lo, resolve fazer o mesmo. Aliás, está aí ótima dica para o fim de semana - alugar e assistir a este filme, que tem Jim Carrey em uma atuação emocionante, sem caretas e piadas sem graça.







Se eu puder indicar mais uma coisa a vocês, o texto de Saramago, obviamente, merece ser lido. Só pra dar água na boca, deixo aqui mais um trechinho então:

"Sou um bicho da terra como qualquer ser humano, com qualidades e defeitos, com erros e acertos, deixem-me ficar assim. Com a minha memória, essa que eu sou. Não quero esquecer nada." - José Saramago, Recordações.



Foto: imagem do filme Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

Mais uma sobre toque de recolher

Em entrevista ao jornal estadao.com, o juiz de Ilha Solteira diz que "pressão social" levou à adoção da medida, que, segundo o site do município, resultou de ação proposta pelo Ministério Público.
Ah! E o toque de recolher não é "privilégio" de Ilha Solteira, não, outros municípios já adotaram a medida. Na realidade, Fernandópolis, também no interior de São Paulo, foi o primeiro município a adotar o toque, há quatro anos. De lá pra cá, juízes de outras cidades têm seguido o exemplo.

Pasmem, mas o Conselho Tutelar está envolvido nas apreensões de adolescentes nas ruas de Ilha Solteira!
No site da cidade, também é possível ler opiniões de juristas e pesquisadores a respeito do assunto.

Aí vão os links

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Toque de recolher

imagem: Flickr - joaobambu


Enganou-se quem pensou estar diante de um texto sobre regimes ditatoriais. Não é deles que se trata aqui. Toque de recolher é o que um juiz de uma pequena cidade do interior de São Paulo, Ilha Solteira, impôs às crianças e adolescentes daquele município. A decisão do juiz inclui também limitar o uso das lan houses da cidade aos maiores de 18 anos, e no horário diurno. Menores de idade, na rua, depois de 23h, só acompanhados dos responsáveis.


À primeira vista, parece uma atitude louvável, uma vez que nossas crianças e adolescentes são alvos fáceis e constantes de traficantes de drogas e aliciadores de toda espécie. Mas é preciso pensar uma vez mais. Será que está certo proibí-los de circular livremente, revistá-los, abordá-los nas ruas? Apesar de o juiz Fernando Antônio de Lima garantir que os ‘menores’ que estiverem em trânsito, da escola para casa, não serão abordados nem revistados, o que está em jogo é muito mais sério do que isso.


Entre os diretamente atingidos pela decisão judicial, as opiniões são divergentes. Uns aprovam, outros acham abusiva. Minha gente, o ECA, em vigor desde 1990 no país, ao dispor sobre a proteção integral das crianças e adolescentes, assegura -lhes o direito de ir, vir e estar nos locais públicos:


Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.


Portanto, segundo o meu entendimento, não é justo que, para se garantir um direito, outro seja violado! A mim, me parece um baita contra-senso.


E vou além: penso que decisões como a deste juiz, com todo o respeito, mostram que em muitos casos parece que ainda estamos sob a vigência do antigo Código de Menores e sua doutrina da situação irregular. Esse era o nome dado à situação do “menor” em situação de abandono ou de delinqüência, objeto da ação da Justiça. Em poucas palavras, o menor era aquela criança ou adolescente pobre, que estava na rua, e que era abordado e levado para as FEBEM’s e FUNABEM’s da vida, para ser alvo de maus-tratos e de toda sorte de abusos.


O ECA veio acabar com isso. Aboliu a expressão menor, pelo sentido pejorativo que anos de prática jurídica preconceituosa lhe conferiram. Elevou crianças e adolescentes à condição de sujeito de direitos, tirando-os da posição de objeto de medidas jurídicas. Assegurou-lhes proteção integral, bem como todos os direitos fundamentais de que trata a nossa Constituição.


Sei que há muito o que se fazer no sentido de garantir que nossos adolescentes e crianças sejam de fato sujeitos de todos os direitos que lhes assegura o ECA. Sei também que este caminho, longo e árduo, segue na contramão de proibições como a que vemos acontecer em Ilha Solteira. Se é verdade que eles precisam ser protegidos, não é menos verdadeiro que tal proteção nada tem a ver com imposições deste tipo, mas deveria passar, antes, por políticas públicas de qualidade, campanhas educativas, maior segurança nos locais públicos, entre tantas outras coisas que podíamos passar horas aqui enumerando.


Concluo reafirmando minha indignação pelo toque de recolher do juiz de Ilha Solteira, e deixando uma pergunta para nossa reflexão: a quem serve esse tipo de medida? Quem ela de fato atinge e o que pretende com isso? Estamos atentos.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Chove, chuva


Hoje teve tromba d'água na praia de São Conrado, Rio de Janeiro. Na falta de uma foto da praia em questão, posto esta, encontrada no Flickr. Aqui em Niterói não teve tromba d'água, mas também choveu torrencialmente. Chove sem parar...





Imagem: upload feito originalmente por Valternir em Flickr.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Estranho Mundo


Esquisitices de Pet Shop:

Aqui perto de casa há algumas pet shops. Normal, há esse tipo de loja em toda parte.

Mas uma delas me chamou a atenção outro dia pelo anúncio, no mínimo, bizarro. Dizia o letreiro:

"Tingimos o pêlo do seu animal na cor desejada."

Normal, também. Aliás, muita coisa estranha tem se tornado normal, corriqueira, numa velocidade estarrecedora, em nossos dias.

Mas voltemos ao anúncio. Para quem não me conhece, explico: sou louca por cães. Na verdade, gosto muito de bicho - de todos eles (barata não é bicho, é troço ruim)! E uma coisa que me incomoda, me indigna e me revolta são maus-tratos aos animais, ainda que os maus-tratos venham sob a forma dissimulada de um simples e banal tingimento de pêlos.

Está na Declaração Universal dos Direitos dos Animais (sim, existe tal documento!):
Artigo 10º
1.Nenhum animal deve ser explorado para divertimento do homem.

Eis a justificativa do meu protesto!

Animais não são - ou não deveriam ser - objetos de distração para o ser humano. Não são brinquedos dos quais se pode trocar a roupa, ou a capa, pelo modelo mais fashion. Todo animal, de estimação ou não, tem o direito de ser respeitado, e isso, a meu ver, inclui não ter suas características físicas alteradas para satisfazer caprichos tolos de pessoas carentes e egoístas.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Bobagens: No pants day

"Pessoas sem calças são vistas no metrô de São Paulo, na noite desta quinta-feira (16). A ação faz parte de um movimento apelidado de 'No Pants Day', organizado pela internet, que teve início em Nova York, nos EUA." (site UOL)

O que você pensou quando leu?

a) Ainda bem que eu moro no Rio.

b) Se eu fosse ela, teria feito umas 10 sessões, no MÍNIMO, de drenagem antes de expor meu derriére num metrô! Mas a calçola de oncinha tá mara!

c) Eu JAMAIS vou usar samba-canção em público.

d) Pow, eu num sabia q tavam marcando essa parada...

e) Ih, conheço aquela bunda!

Respostas:
Se você respondeu a alternativa a, você é um sujeito equilibrado, que ama viver no Rio de Janeiro - mas isso não quer dizer, de maneira alguma, que você seja preconceituoso com paulistanos!

Se você optou pela alternativa b, você tem um lado vaidoso muito aguçado, adora se cuidar e está sempre antenado com as tendências da moda.

Já se a resposta preferida foi a c, isso prova que você é dono de uma personalidade conservadora e possui um bom-senso invejável.

Mas se você se identificou mais com a letra d, vc é um cara show de bola, aê, que tá sempre ligado nas paradas, mas que deu uma pequena vacilada, coisa à toa, não fica assim, não, sai dessa vibe, entra no orkut e marca com a galera algum esquema maneiro, pow!

Por último, se a opção escolhida foi a letra e, parabéns, você reconhece uma bunda à distância! E agora você pode dizer "aquele ali é meu amigo, olha, meu amigo, saiu no jornal!"

Co-autoria de Tikão.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Abre Aspas




Rubem Alves - Escutatória



Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.


Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro:


Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração... E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.


Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos... Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.


Vejam a semelhança... Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio... Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.


Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.. Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.


Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
m ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.


Fernando Pessoa conhecia a experiência... E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar.


Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Estranho mundo


Profissão: pai-de-santo

Tem o pai-de-santo cauteloso, aquele que só cobra pelo serviço depois:

"TRAGO A PESSOA AMADA. PAGAMENTO APÓS O RESULTADO". - esse já entendeu que não pode dar mole: consumidor insatisfeito mete logo um PROCON em cima!

Existe também aquele mais confiante:

"TRAGO A PESSOA AMADA EM TRÊS DIAS". - se ela não vier, provavelmente alguma parte do "trabalho" VOCÊ não entendeu.

Mas o que é feito da pessoa trazida? Quem pensa na vontade dela? Sabe-se lá se ela tinha namorado (a) ou se queria virar padre? Essa pessoa pode reclamar? Se pode, a quem?

Já que inventaram o "amante delivery", ficou faltando criar o JDPVSM - Juizado de Defesa da Pessoa Vítima de Simpatias e Magias.



segunda-feira, 13 de abril de 2009

Abre Aspas

Do blog coletivo marxista :

No próximo Domingo é Dia de Cinema serão exibidos os filmes

"Batismo de Sangue" e "Justa Causa".

O evento será realizado no Odeon (cinelândia), dia 19 de Abril, às 09h.

Após a exibição dos filmes haverá um debate "Da Ditadura ao Choque de Ordem" com Emir Sader, Ivo Lesbaupin e Andréia Mendes (OCG)

O ingresso custará R$ 2,00
Os moradores das ocupações Chiquinha, Zumbi, Quilombo e Machado não pagarão nada.


O filme Justa Causa conta a história das ocupações Chiquinha Gonzaga, Zumbi dos Palmares, Quilombo das Guerreiras e Machado de Assis que, em meio à especulação imobiliária, ao choque de ordem, ao alto preço dos transportes e à escassez dos serviços públicos básicos nas periferias, resistem no centro da cidade do Rio de Janeiro. As experiências vividas pelos ocupantes diante destas dificuldades tornam o filme sobre essas experiências coletivas e autogestionárias, um relato emocionante e, mais do que isso, real. A dor, o drama e a vitória de pessoas que lutam para garantir suas conquistas através da organização social e popular.

domingo, 12 de abril de 2009

Uma crônica

A professora começou a aula de uma maneira informal. O resultado que esperava obter – e conseguiu - era descontrair os alunos de forma a criar um ambiente onde os assuntos transcorressem de forma fácil e agradável. Por se tratar de uma turma de pós-graduação, e sendo ela uma estudante ainda graduanda em Letras, podemos compreender sua tentativa de informalizar a relação professora-alunos, no sentido de que pudéssemos ficar todos à vontade; a primeira, em sua provável insegurança por ter a sua frente pessoas, em alguns casos, bem mais velhas do que ela; e nós, por estarmos diante de uma figura, que, mesmo sendo a de uma “menina apenas cursando a graduação”, não deixa de estar no lugar de professora – lugar este, marcado pela questão da autoridade e tudo o mais que está em jogo na representação do professor em nossa sociedade e que não vem ao caso de nossa narrativa.

O que vem ao caso é justamente o que se deu no encontro daquela professora com aqueles alunos naquele dia específico. O tom informal, ao qual nos referimos no início, ficou por conta do bate-papo (proposto pela ela e aceito por nós) em torno de quatro questões sobre a língua portuguesa.

A primeira delas era a seguinte: “Português é muito difícil”. Não foram poucos, naquela turma, a levantar a mão em sinal de concordância com a afirmação escrita no quadro. Eu mesma ergui meu braço, corajosamente - coisa que jamais faria em tempos não muito remotos, impedida pela timidez. Mas, questionados sobre o motivo de atribuírmos ao idioma materno tamanha dificuldade, nos vimos diante da questão: é o português que é difícil, ou a sua gramática normativa? Ficamos com a segunda opção, convencidos de que português todos ali sabíamos, afinal, somos falantes desta língua desde nossos primeiros balbucios.

Dito isso, analisamos a segunda frase: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. É fato que, em nível de senso-comum, somos quase unânimes em concordar de imediato com afirmações desse tipo e foi o que se observou também ali. Mas quando se coloca em questão o conceito de “erro”, irremediavelmente tem-se de ver as coisas sob uma perspectiva diferente. E qual seria ela? Foucault pareceu apropriado. Mais que isso, ele pareceu fundamental. Não podemos falar em certo e errado sem considerar o que está em jogo no estabelecimento de verdades; sem levar em conta a relação de forças que subjazem à lógica de nossa gramática normativa. E foi isso o que fizemos; ainda que não tivéssemos tratado a questão de forma claramente foucaultiana, o olhar foi sempre este – pelo menos o meu olhar foi.

Questionar as verdades é perguntar-se que relações de poder/saber estão em jogo em dado regime de verdades. Quando percebemos que o falar errado se refere justamente à fala do pobre, do excluído socialmente, fica mais difícil fecharmos os olhos à questão que se coloca – é preciso marcar o lugar da diferença, que será ocupado por aqueles que não se assemelham a nós, outros, que tivemos acesso a uma escola de qualidade e que estamos incluídos na ordem social. Mas estar incluído numa tal ordem não é sinônimo de domínio da norma culta da língua, ou não se justificaria a existência, num curso de pós-graduação, de uma disciplina sobre língua portuguesa, cujo objetivo é disciplinar a escrita dos futuros especialistas (nós) para não fazermos feio na elaboração do trabalho de conclusão de curso - a famosa monografia! Então, fica claro que o erro se define menos por ser uma fala que está em desacordo com a gramática normativa, e mais por se tratar de uma fala que marca um certo lugar de exclusão social e econômica.

Outro ponto que não ignoramos naquela discussão certo/errado é o que se refere ao dinamismo da língua. Ora, se a língua é uma estrutura viva e admitimos que ela se faz e refaz na fala dos falantes, como podemos insistir em dizer que o jeito de falar do pobre ou do nordestino ou do jeca está errado? Do ponto de vista lingüístico, se a comunicação se fez, não houve erro. Esse erro só pode ser pensado em termos de um sistema de regras que todos possam usar para se comunicar de uma maneira dita culta ou correta. Não quero aqui negar a importância de tal sistematização, mas apenas apontar para os efeitos que esse discurso pode produzir.

A terceira frase, “É preciso saber gramática para escrever e falar bem” gerou consenso entre os presentes sobre o fato de que o conhecimento da gramática é mais importante para a escrita - desde que considerada em um certo âmbito específico que é o da escrita formal, acadêmica, no nosso caso - do que para a fala. Quantos de nós, fluentes falantes da língua, sentimos dificuldade na hora de escrever corretamente? Provavelmente, muitos. Isso ocorre porque, na fala, contamos com recursos que não estão presentes na escrita, tais como entonação, gestual, expressões faciais e corporais, entre outros.

Sobre a quarta e última frase escrita no quadro, que trazia a afirmação: “O domínio da norma culta é instrumento de ascensão social”, novamente a perspectiva foucaultiana se fez e se faz necessária e atual, pois, apesar de ser uma tendência crescente ouvirmos de especialistas em mercado de trabalho que pessoas que falam bem têm maiores chances de abrirem vantagem em relação a outros candidatos menos preparados nesse sentido, durante uma entrevista de emprego, isso não significa que as primeiras ascenderão socialmente.

O que me parece é que tal discurso - bem como outros tantos - tem a função de ocultar as verdadeiras razões pelas quais verificamos tanto desemprego e sub-emprego em nosso país. Fica claro, para mim, que mais uma vez não podemos nos furtar a considerar a situação com um olhar foucaultiano. Um olhar que interroga que regimes de verdade estão sendo postos em funcionamento e que relações de poder estão em cena nesse palco onde problemas macro-estruturais são dissimulados em micro-questões de foro individual, cabendo ao sujeito a responsabilidade por seu fracasso.

O desfecho dessa aula? Uma produção individual de texto, tendo como tema a pergunta: O que é necessário para se escrever e falar bem? Não deixa de ser interessante uma aula que, de início, pretendeu ser democrática e estar a serviço de desconstruir preconceitos, terminar com cada um sentado em seu lugar, produzindo textos individuais, que serão avaliados do ponto de vista do domínio que cada um tem da norma culta da língua. Mas isso são apenas pensamentos...

sábado, 11 de abril de 2009

Por que ponto-e-vírgula ?

O ponto-e-vírgula é uma coisa complicada na nossa gramática. Parece que o único consenso entre os gamáticos é quanto ao fato de seu uso ser muito pouco encontrado nas construções cotidianas, devido à dificuldade de definir os casos em que seu emprego é pedido, o que o torna um sinal de elegância e distinção.
Nas palavras de Mário Quintana: Que moça culta, a Maria Eduarda: usa ponto-e-vírgula!

Talvez o único caso que não deixe dúvidas seja quando usado para enumerar termos, construção muito encontrada em leis, decretos, portarias e afins.

Encontrei algumas definições. Vejamos:

- O ponto-e- vírgula pode indicar uma pausa mais longa que a vírgula, porém mais breve que o ponto final.

Exemplo 1: Maria passou para o Ministério da Fazenda; eu, para o Tribunal de Justiça.


- Emprega-se o ponto-e-vírgula para separar itens de uma enumeração:


Exemplo 2:

As vozes do verbo são:
voz ativa;
voz passiva;
voz reflexiva.

- Para aumentar a pausa antes das conjunções adversativas – mas, porém, contudo, todavia – e substituir a vírgula.

Exemplo 3: Deveria entregar o documento hoje; porém só o entregarei amanhã à noite.

- Para manter o paralelismo entre as ideias: caso dos exemplos 1 e 2.

Etc.

Bom, essa postagem inicial é só mesmo pra explicar o título do blog. Pensei em criar mais este (além dos dois que já tenho - Viva a Língua e Brusca Poesia) porque queria ter um espaço mais amplo, onde pudesse falar de tudo, um blog que não tivesse uma cara de exclusividade (só vou falar de língua portuguesa ou poesia). Pois bem, mas por que "ponto-e-vírgula"?

O sentido de ponto-e-vírgula, aqui, é o da pausa a meio caminho entre o ponto final e a vírgula. Foi nisso que pensei. Aqui, os assuntos, sejam quais forem, serão tratados assim: como se, entre eles, tivesse sempre um ponto-e-vírgula - indicando uma pausa nem tão longa como o ponto final; porém nem tão breve quanto a sugerida pela vírgula, e mais, com o sentido de paralelismo (semelhança) entre as ideias.

É isso aí; sejam bem-vindos!